Jane e Louise Wilson
O que me fez escolher Tempo suspenso (Suspending time), de Jane e Louise Wilson, exposição inaugural da nova direcção do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), para a rubrica do Bibliblog, “Morte da estética?” Sobram razões: a estreia de Isabel Carlos* à frente da programação do CAM, o facto de se tratar de uma dupla de artistas, as gémeas britânicas Jane e Louise Wilson (n. 1967) que trabalham e expõem juntas desde dos anos 90, a utilização de vídeos, filmes e fotografias, suportes definidores da arte contemporânea, o sugestivo nome da mostra, “Tempo suspenso”, as alusões históricas aos horrores do século…
Bunker
O que perpassa no enorme espaço que o público percorre, através de objectos tão heteróclitos, é o tempo: o tempo da história, da história dos homens e da história de vida, ou melhor, fragmentos destas histórias, aqui devolvidos pelas memórias, em tempo suspenso, de percursos interrompidos, inflectidos. É esse tempo, e a sua suspensão, que Jane e Louise tentam explorar. As memórias das tragédias do século XX (será que alguma vez as conseguiremos exorcizar?), da II Guerra Mundial ao Holocausto, à Guerra Fria, são as representações mais presentes na obra desta dupla. O seu trabalho assume assim o duplo carácter de documento e de denúncia.
Começa a exposição pelas gigantescas fotografias do que resta das fortificações que integraram a Muralha do Atlântico, estrutura defensiva construída pelos alemães na Normandia (Sealander, 2006); seguem-se as instalações vídeo Stasi City (1997), que nos mostram o interior das instalações da sinistra polícia secreta da RDA.
Em Unfolding The Aryan Papers, a obra mais recente da dupla, reencontramos o cineasta Stanley Kubrick, já desaparecido, através de material recolhido nos seus arquivos pessoais. Projectam-se imagens, guardadas por Kubrick, para um filme passado na II Guerra Mundial. O argumento era sobre uma família de judeus que se salvou forjando um “Ahnenpass”, documentos que atestavam a arianidade. Do arquivo Kubrick projectam-se também imagens originais dos guetos de Varsóvia e Cracóvia durante a guerra, e ainda testes da actriz escolhida para protagonista, Joahnna Steege, há 30 anos atrás. Alternando com estes, surgem ainda registos com depoimentos da actriz hoje em dia, sobre a brusca decisão então tomada por Kubrick, de desistir do filme (o tema causou-lhe uma depressão, a que não terá sido alheio o facto de ter perdido parte da família em Auschwitz, e também porque acabava de estrear a Lista de Schindler, de Spielberg, e, para os produtores, o êxito alcançado por este filme comprometia o sucesso do filme de Kubrick, uma vez que era sobre o mesmo tema) e da decepção que sentiu, pois esperava com este filme alcançar a fama, que, de facto, nunca veio a alcançar.
O tempo passado materializa-se também nas séries fotográficas Oddments (2008/09), na sequência de imagens de portas, ladeadas dos livros antigos e valiosos do célebre livreiro londrino, Maggs. Bros. Ldt, local de grande apreço do nosso rei bibliófilo, D. Manuel II, pois aqui passava longas horas, agora que o tempo em que deveria ser rei lhe tinha sido devolvido e se podia dedicar por inteiro à sua paixão.
Spiteful of Dream
O tempo suspenso, ainda que por minutos, é representado por uma experiência vivida pelas gémeas quando em 1993 estiveram no Porto, onde integraram uma exposição colectiva em Serralves. A série Hypnotic Suggestion 505 é o registo filmado da sessão de hipnose a que então se submeteram, às mãos de dois hipnotizadores, um inglês e um português; 505 era a frase que as restituiria ao estado vigilante.
Noutra sonora instalação vídeo (a introdução de som, música e ruídos quotidianos é outra das possibilidades da video-arte), Spiteful of Dream, 2008, ouvem-se conversas entre homens e mulheres num Centro Comunitário da Bósnia-Herzegovina, relatando experiências traumáticas como refugiados no Reino Unido, enquanto dentro de um gigantesco cubo de rede, um engenhosíssimo jogo de paralelepípedos espelhados reflecte imagens de turbinas em incessante movimento. O conjunto das imagem projectados sobre planos que as sequencializam, e a respectiva banda sonora, confere à instalação uma dimensão escultórica de grande efeito cénico.
Como fio condutor, e ponto de partida da exposição, surgem, pontuando todo o espaço, tanto em esculturas suspensas, como nas fotografias, ou ainda integradas nas instalações, réguas em madeira, com a obsoleta medida Yard (jarda), Yardsticks, testemunhos de um tempo que não volta mais, mas que simultaneamente vai dando a medida e as diferentes escalas de cada peça em exposição.
O sentido desta aparente dispersão (e não descrevi tudo) é dada por uma montagem clarificadora e também pela leitura do catálogo, que inclui uma esclarecedora entrevista às autoras sobre o seu percurso e sobre esta retrospectiva.
Filmes, vídeos, fotografias, arquitecturas e esculturas, fazem emergir as ruínas de um século e de vidas marcadas pela tragédia; a sua percepção (tridimensional), não deixa de ser vivida pelo visitante com alguma emoção, também estética.
* Isabel Carlos, 46 anos, licenciada em filosofia e mestre em comunicação social pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, conseguiu uma projecção internacional notável, pertencendo aos júris internacionais das principais bienais de arte, Veneza e São Paulo, estando até agora a dirigir a bienal de Sarjah, nos Emiratos Árabes Unidos, posto que deixou para vir dirigir o CAM., tendo sido recentemente nomeada membro do júri do Turner Prize, um dos prémios de arte mais prestigiados do mundo.
Profª Cristina Teixeira
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