INTRODUÇÂO
Enquanto alunos de uma turma de Ciências e Tecnologias, sempre tivemos curiosidade pelo mundo que nos rodeia.
Ora, no início deste ano letivo, fomos desafiados a realizar um projeto interdisciplinar – uma hipótese para explorar. Este tipo de projetos – que se estendem ao longo do ano – têm como objetivo articular as várias disciplinas de modo a desenvolver uma resposta a determinado problema, ou a criar algo novo.
Com o propósito de produzir um artigo inédito, precisávamos de formular um problema – cuja resposta quiséssemos verdadeiramente saber.
Seguindo o verdadeiro espírito científico, criámos uma pergunta: “Como se aprende a cozinhar?”, e, claro, “Como se cozinha (bem)?”.
A pergunta pode, de repente, parecer muito simples. “Eu sei cozinhar” – pensará, certamente, o leitor. Mas saberá? É claro que todos sabemos seguir uma receita, mas, se a receita não estiver presente, saberemos improvisar algo? E conhecemos o papel dos vários ingredientes da receita? O que acontece se nos faltar um? Como o substituímos?
O nosso problema, em última análise, é mais do que saber cozinhar – é compreender o processo.
Curiosamente, reparamos que alguém com experiência – uma avó ou as nossas mães – saberá uma resposta a estas perguntas. A nossa intenção é, porém, ir mais além, descobrindo outras respostas, fundamentadas pelo método científico.
Poder-se-á perguntar, claro, que importância tem “perceber a culinária”. Aliás, nos tempos de hoje, cada vez temos menos a necessidade de cozinhar.
Este é um ponto perfeitamente válido – mas é precisamente o motivo que nos leva a considerar tão importante perceber como cozinhar. Se cada vez cozinharmos menos, cada vez teremos menos conhecimento acerca daquilo que comemos. A exploração do “como cozinhar” leva-nos, pela via científica, a temas muito importantes, quer de nutrição, de (bio)química, do nosso metabolismo e outros, que nos permitem formar um espírito crítico sobre a comida e a cozinha.
O nosso espírito crítico, bem informado e fundamentado, é dos principais atributos que se pretende que consigamos extrair do nosso tempo na escola. A educação alimentar poderá ser mais um contributo para este exercício mental.
Esta foi, portanto, a nossa introdução: temos vindo a aprender, e ensinar-vos-emos, a cozinhar; assim, aquilo que pretendemos agora é partilhar com os leitores uma série de artigos com algumas coisas que aprendemos, começando com a confeção de bolachas e bolos.
Marta Vasconcelos, 11ºC
imagem daqui
CONFEÇÃO DE BOLACHAS E BOLOS
Que artigo escusado! – pensará, certamente, o leitor – Cozinhar bolos e bolachas não tem ciência nenhuma! Misturar uns quantos ovos, umas canecas de farinha e uma quantidade avultada de açúcar atingirá o resultado!.. Ou falta algo? Fermento em pó!.. ou bicarbonato de sódio? Manteiga!.. ou óleo? Leite!.. ou água?
Ora, todos os ingredientes desempenham um papel crucial na confeção de sobremesas: a sua substituição, supressão ou insuficiência levaria a catástrofes culinárias inimagináveis! Daí a importância da leitura de artigos como o presente, no qual é explicada a função de cada elemento relativamente ao valor nutricional, sabor, textura, aroma e cor do resultado final.
Composição química, função e variedade dos ingredientes
Farinha de trigo
Comecemos por falar da farinha de trigo.
Independentemente da designação de forte ou fraca, a farinha de trigo apresenta necessariamente uma composição básica de cinco elementos primários: proteínas, amido – os mais relevantes –, água, gordura e sais minerais.
- Mas de que forma são estes componentes relevantes na confeção de bolos e bolachas? Em que medida influenciam a massa?
Ora, as principais proteínas constituintes da farinha de trigo são a gliadina e glutenina. Na presença de água, estas aglomeram-se de modo a formar uma rede proteica fibrosa e elástica – o glúten. Enquanto a gliadina é responsável pelo caráter elástico da massa, a glutelina é responsável pela sua maleabilidade, permitindo a assimilação de uma porção elevada de dióxido de carbono libertado durante a fermentação da massa. Este processo de aeração resulta no crescimento da massa.
O amido, por outro lado, é um polissacarídeo formado principalmente por glicose e ligações glicosídicas, constituindo cadeias de açúcares. Na presença de água e de calor, transforma-se numa solução viscosa com estrutura gelatinosa, que dará origem ao interior do bolo.
Portanto, o glúten e o amido são os elementos responsáveis pela flexibilidade, elasticidade e maleabilidade da massa.
- E ainda, em que difere uma farinha forte de uma farinha fraca? Qual é indicada para a confeção de bolos?
Retomando os conceitos de força ou fraqueza da farinha inicialmente mencionados, existem duas classificações: Uma farinha considerada forte contém entre 10,5% e 12% de proteínas na sua composição, enquanto que as farinhas fracas possuem proteínas em menor quantidade e de qualidade inferior. Consequentemente, estas farinhas absorvem pouca água, resultando num rápido crescimento da massa e fácil libertação de gases – ou seja, farinhas fracas originam massas compactas e leves, indicadas para a confeção de bolos e bolachas. Por outro lado, as farinhas fortes permitem a obtenção de uma massa mais estruturada e flexível, que resulta em produtos de melhor qualidade no caso da cozedura de pão ou preparação de alimentos mais consistentes.
- Para além da força da farinha, que outro fator devemos ter em conta ao utilizar farinha de trigo? Qual a variedade ideal para bolos?
Existem, nomeadamente, três variedades de farinha de trigo que, devido à elevada abundância em glúten, são indicadas para bolos e bolachas: Farinhas de trigo T45, T55 e T65. A primeira, T45 ou farinha flor, é a mais refinada e branca, resultando na confeção de massas muito leves e fofas. A segunda, T55 ou extrafina, é o tipo de farinha ideal para bolos e, sendo branca muito fina, revela-se também adequada para inúmeras preparações culinárias distintas. Ambas contêm um elevado teor em amido e glúten, mas menos fibras e vitaminas. A última, T65 ou fina, é maioritariamente utilizada na confeção de pão, tendo um efeito mais rústico no alimento. Portanto, na preparação de bolos e bolachas de textura desejavelmente fofa, é aconselhada a utilização de farinha de trigo T65.
É de notar que, ao contrário do processo de preparação do pão, na confeção de bolos e bolachas é aconselhável bater o mínimo possível a massa depois da adição de farinha, uma vez que se procura evitar ao máximo a resistência da massa resultante do desenvolvimento do glúten contido na farinha.
Fermento
- Que tipo de fermento é recomendável na confeção de bolos e bolachas?
Existem cinco tipos de fermento: fermento em pó, bicarbonato de sódio, fermento biológico fresco, fermento biológico instantâneo e fermento natural.
Uma vez que são utilizados quase exclusivamente na produção de pão, tanto os fermentos biológicos como o fermento natural são pouco aconselhados na confeção de bolos e bolachas – daí ser mais pertinente diferenciar a composição e condições de utilização do bicarbonato de sódio e do fermento em pó:
O fermento em pó é um fermento químico formado por uma combinação de bicarbonato de sódio, um elemento ácido (geralmente, bitartarato de potássio) e amido. A barreira de amido tem a função de absorver a humidade do ar com a finalidade de manter o bicarbonato de sódio e os ácidos orgânicos separados e secos – Isto porque o efeito de crescimento da massa característico da utilização de fermento em pó ocorre devido à reação entre a base (bicarbonato de sódio) e o ácido (bitartarato de potássio) que se inicia a uma temperatura de 60ºC.
O pré-aquecimento do forno é, portanto, um passo crucial para a eficácia do fermento, assim como a mistura de ingredientes sempre à temperatura ambiente e a incorporação deste ingrediente em último lugar.
O bicarbonato de sódio é um agente levedante – ou fermento – quimicamente alcalino. Ao contrário do fermento em pó, inicia a reação química assim que entra em contacto com algum ácido líquido (como iogurte, limão, vinagre, leite). Assim, o bicarbonato de sódio liberta de imediato o dióxido de carbono responsável pela aeração da massa e rápido crescimento da mesma. Geralmente, é utilizado em conjunto com elementos ácidos, como os referidos, para que ocorra a neutralização do sabor desagradável resultante da reação.
Portanto, no geral, deve utilizar-se bicarbonato de sódio em bolachas, cupcakes e queques – visto que a sua textura e sabor são favorecidos pela curta duração da reação química. Por outro lado, recomenda-se a utilização de fermento em pó na confeção de bolos – visto que o seu tempo de reação é elevado, como o tempo de cozedura do bolo.
Adoçantes
- O que é açúcar? Especificamente, para que alimentos é aconselhada cada uma das variedades?
Maior parte dos açúcares, como o açúcar refinado, granulado ou branco, açúcar em pó e açúcar mascavado, consistem, basicamente, em sacarose – um dissacarídeo formado por glicose e frutose responsável pelo sabor doce característico do açúcar.
O açúcar mascavado, que é o primeiro a ser extraído do caldo de cana, não sofre o processo de refinação, pelo que as propriedades nutricionais da cana-de-açúcar são preservadas. Por conseguinte, apresenta um sabor único e forte, proveniente do melaço (matéria constituída por açúcares redutores e sacarose não cristalizada). É, portanto, indicado para bolos húmidos e escuros, como brownies, bolos com especiarias, com café, mel ou chocolate.
O açúcar amarelo é parcialmente refinado, apresentando cristais mais pequenos, resultantes do processo de centrifugação. Tem um sabor caramelado e textura suave, sendo, portanto, aconselhado em receitas de bolos e bolachas.
Já o açúcar refinado, granulado ou branco, é submetido a um processo de refinação demorado, no qual se verifica uma perda praticamente total das vitaminas e minerais que o compõem. Apresenta um teor de 99,9% de sacarose apenas superado pelo açúcar confeiteiro. Este, por sua vez, sofre um processo de moagem intenso, resultando em grãos finíssimos indicados para bolachas, merengues, cremes, mousses, compota e geleias.
- E qual a influência da quantidade de açúcar no alimento preparado?
Uma quantidade de excessiva de açúcar resulta na obtenção de uma massa pesada como, por exemplo, a do brownie. É devido à elevada cristalização do açúcar no bolo e consequente inibição de formação da cadeia proteica de glúten que a massa acaba por ficar pesada e cair. Este processo de cristalização do açúcar em excesso pode também criar uma cobertura pesada que impede o crescimento adequado do bolo.
Contudo, uma elevada quantidade de açúcar aumenta a temperatura de gelatinização do amido, o que permite maior tempo de expansão da massa durante a cozedura e, consequentemente, um aumento favorável do volume final do bolo.
Já a insuficiência de açúcar conduz a uma textura mais dura devido à indesejável conformação da cadeia de glúten presente.
- Para além do volume, em que outras características do alimento intervém o açúcar?
A presença de açúcar na massa possibilita a ocorrência de reações Maillard. Este tipo de reações ocorre entre os aminoácidos constituintes das proteínas e os açúcares (hidratos de carbono): quando o alimento é submetido a elevadas temperaturas, o grupo carbonilo (C=O) do açúcar reage com o grupo amina (–NH2) do aminoácido, resultando na produção de melanoidinas, que dão a cor e o aspeto característicos dos alimentos cozidos ou assados. As reações Maillard sucedem apenas à superfície da massa, visto que esta é a única parte do bolo que atinge temperaturas suficientemente altas para permitir a sua ocorrência. Também as reações de caramelização, que consistem na quebra de açúcares complexos em açúcares simples não polimerizados, conferem aroma e sabor ao bolo.
Em conclusão, o açúcar contribui fortemente para a cor, aroma e sabor do alimento.
- Sendo este ingrediente fundamental na confeção de bolos e bolachas, será possível substituí-lo?
É possível substituir o açúcar por alternativas naturais, como mel – tipo de frutose com propriedades antibacterianas, anti-inflamatórias e antioxidantes; stevia, que tem um poder adoçante até 300 vezes maior que o açúcar; ou melaço. Também se pode fazer a substituição através de adoçantes, como o xilitol (C5H12O5) e o Eritritol (C4H10O4), que, obtido através da fermentação da sacarose, possui 70% do poder adoçante do açúcar.
Gorduras
- Que papel desempenham as gorduras na confeção de bolos e bolachas? Que propriedades tornam um tipo de gordura adequado para a pastelaria?
As gorduras são cruciais na preparação de bolos e bolachas: não só promovem a aeração e expansão da massa, como favorecem o sabor e textura da mesma ao impedir o desenvolvimento do glúten. Simultaneamente, acabam por aumentar a validade do produto ao reter água.
As propriedades físico-químicas mais notáveis das gorduras são a plasticidade e o ponto de fusão. Gorduras plásticas, como a manteiga, a margarina, a banha e a gordura vegetal conferem plasticidade, isto é, maleabilidade à massa. No entanto, os óleos, por serem totalmente líquidos, não detêm esta propriedade, o que também acontece com a manteiga de cacau, por ser sólida.
Relativamente ao ponto de fusão, isto é, a temperatura a partir da qual a gordura passa do estado sólido para o estado líquido, é relevante notar que a manteiga, por exemplo, tem um ponto de fusão que ronda os 27ºC, enquanto que o ponto de fusão da gordura vegetal é de cerca de 45ºC. Ou seja, a última é uma gordura pouco aconselhável na confeitaria, visto que não é plausível trabalhar com ela no estado líquido.
- Foquemo-nos no óleo e na manteiga. Qual escolher?
O primeiro tem um sabor impercetível, e a sua utilização resulta numa massa leve e fofa, sendo aconselhável para bolos simples. Já a manteiga, por solidificar a temperaturas reduzidas, provoca a rigidez do bolo caso este seja preservado no frigorífico, por exemplo. Para além disso, o seu sabor é notável na massa. Assim, na confeção de bolos e bolachas, é preferível a utilização de óleo.
Ovos
- Porque são tão frequentemente utilizados nas receitas? Afinal, qual a função dos ovos?
A principal função do ovo nos bolos e bolachas é proporcionar estrutura, ou seja, dar firmeza à massa. Para além disso, a presença de lecitina, fosfolípido que funciona como emulsificante natural, na sua constituição é responsável pela homogeneidade da mistura. Enquanto as claras fornecem a aeração necessária para um bolo volumoso, macio e fofo, as gemas garantem a humidade natural necessária, que, juntamente com o leite e a manteiga, evitam a secura do bolo.
- Será possível substituir os ovos numa receita?
Apesar de os ovos constituirem ingredientes essenciais, a variedade de funções dos diversos alimentos de pastelaria é de tal modo ampla que estes acabam por poder ser substituídos.
Por exemplo, a humidade garantida pela gema do ovo pode ser atingida por puré de banana ou maçã. É também possível conseguir o volume proporcionado pelas claras batidas em castelo através da mistura de vinagre com fermento em pó ou bicarbonato de sódio: o vinagre ativa os componentes do fermento, fornecendo a aeração responsável pelo volume e consistência mole. E ainda, o efeito emulsificante da lecitina pode ser conseguido por amido de milho, que confere fofura ao bolo, ou linhaça e chia, depois de fortemente hidratadas em água: ao inchar, as sementes obtêm o aspeto gelatinoso desejado.
Líquido
- Qual a finalidade da incorporação de um líquido no bolo/bolacha?
O leite, líquido mais frequentemente usado na pastelaria, tem um papel importante na textura do bolo: uma vez que pouco interfere no sabor da massa, a sua única função é amaciar o bolo. Pode ser substituído por água ou sumos naturais, ingredientes que exigem um maior tempo de cozedura no forno, devido à maior humidade que conferem ao alimento.
Métodos de confeção
Os dois métodos mais utilizados na pastelaria são o método cremoso, ou creaming, e o método cremoso reverso, ou two-stage method.
Passemos, então à explicação sintética dos mesmos:
Método cremoso, ou creaming
Este método é utilizado na preparação de bolos leves e macios que, não obstante, possuem uma estrutura consistente – isto é, são bolos que suportam muito peso sem sofrer deformações, como bolachasebolos amanteigados.
A técnica passa por três etapas: elaboração de um creme de manteiga e açúcar, adição de ovos e, finalmente, adição de farinha de trigo. Tipicamente, é utilizada uma quantidade equivalente de manteiga, açúcar branco e farinha de trigo.
Assim, o processo consiste em preparar um creme com manteiga e açúcar para incorporar a maior quantidade de bolhas de ar possível na massa (aeração). A adição de ovos leva à homogeneidade da mistura, formando uma estrutura mais elástica para as bolhas de ar, de modo a impedir o colapso das mesmas e promover a sua expansão durante a cozedura. A adição de farinha proporciona estrutura e consolidação à massa.
Método cremoso reverso, ou two-stage method
Esta técnica é utilizada na preparação de bolos húmidos, nos quais os quatro ingredientes principais – farinha, açúcar, ovos e manteiga – possuem o mesmo peso. O método tem duas etapas: a mistura dos ingredientes secos com a manteiga e a adição dos ingredientes líquidos.
O processo dá-se da seguinte forma: a gordura da manteiga reveste as proteínas da farinha, protegendo-as do líquido posteriormente adicionado. Esta etapa evita também o desenvolvimento do glúten, cuja formação, como já foi dito, resulta numa textura mais rígida. Na segunda etapa, são adicionados os ingredientes líquidos, formando-se a massa homogénea.
Catarina Marino, 11ºC
imagem daqui
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