Os acontecimentos mundiais estão sempre associados a determinadas personagens e o primeiro conflito mundial não foi exceção destacando-se as figuras de Mata-Hari e do Barão Vermelho.
A enigmática bailarina exótica, cortesã e espia Mata-Hari ou Margarette Zelle, cuja vida de mistério e fantasia inspirou cineastas e escritores ainda é uma referência para os nostálgicos da espionagem. No início do século XX apresentava-se nos famosos cabarés europeus como filha de uma bailarina de um templo da Malásia terminando as suas atuações com orações a Xiva, deus hindu da destruição. Durante um certo tempo rejeitou as suas origens europeias pois, na realidade, era filha de mãe holandesa e de um abastado comerciante de origem javanesa e tinha sido vítima de violência doméstica quando viveu em Java e Sumatra casada com o oficial holandês Macleod.
Nestas regiões, além de aprender as religiões orientais iniciou o domínio de algumas técnicas de danças locais que pôs em prática nas suas atuações em que se apresentava envolta num sari hindu com um soutien de lantejoulas e véus transparentes sobre os ombros, sendo descrita como “Grande, esbelta, ela exibe sobre seu maravilhoso pescoço, flexível e cor de âmbar, uma face fascinante, perfeitamente ovalada, cuja expressão sibilina e tentadora impressiona. A boca, vigorosamente desenhada, traça uma linha móvel, desdenhosa, muito carnuda, sob um nariz reto e fino cujas asas palpitam sobre duas covinhas sombreadas nos limites de seus lábios. Os magníficos olhos, ligeiramente puxados, aveludados e melancólicos, são envoltos por longos cílios encurvados e têm qualquer coisa de hindu. Seu olhar é enigmático: perde-se no vazio. Os cabelos, muito pretos, repartidos ao meio, montam em sua face um quadro de impenetráveis ondulações”.
O seu poder de sedução fez com que fosse disputada por indivíduos de várias nacionalidades ligados ao poder económico, político e militar. O relacionamento com ricos e poderosos e as frequentes viagens que fazia pelas capitais europeias marcou o seu destino quando foi denunciada pelos ingleses e julgada e condenada pelos franceses acusada de agente dupla ao serviço da espionagem alemã que a tinha recrutado em 1916. O julgamento por um conselho de guerra, em Paris, iniciou-se em 24 julho de 1917 e nele defendeu-se, convictamente, das acusações de que era vítima baseadas em declarações, não comprovadas, dos agentes dos serviços secretos e da polícia. Mas a decisão há muito que estava tomada pois as orientações do governo eram no sentido da condenação à morte o que aconteceu após dez minutos de deliberações. Perante o pelotão de fuzilamento, na cidade francesa de Vincennes, em 15 outubro de 1917, apresentou-se vestida de negro com um chapéu de abas largas e botas altas acompanhada pela freira Leónide para quem acenou antes da execução. Ninguém reclamaria seu corpo que foi entregue à faculdade de medicina.
As autoridades francesas responsabilizaram-na por mais de 50.000 mortos devido aos supostos segredos que transmitiu aos alemães mas a sua condenação continua envolta em mistério e, apesar das informações dos serviços de espionagem inglesa estarem disponíveis desde janeiro de 1999, há muitas dúvidas sobre o seu efetivo papel como espia e a justeza da acusação, e se não terá sido mais uma vítima do ambiente bélico em que viveu.
Num percurso de vida diferente, mas igualmente caraterístico da época pelo seu patriotismo, idealismo e heroísmo, destaca-se igualmente o famoso Barão Vermelho, aliás Barão Manfred von Richthofen, considerado o maior piloto de caças militares de sempre.
Pertencia a uma rica família da nobreza prussiana e, como era habitual neste estrato social, ingressou no corpo de cadetes imperiais aos dez anos de idade com o objetivo de se tornar oficial de cavalaria.
Com o início da 1ª guerra mundial a recém- criada Força Aérea começa a ter um papel cada vez mais preponderante devido aos voos de reconhecimento e acções de bombardeamento.
Ansioso por participar nestas ações, solicitou a transferência do exército pois como escreveu ao seu superior “Eu não vim para a guerra para apanhar queijos e ovos” sendo enviado para uma unidade aérea em maio de 1915, iniciando assim a formação como piloto de caça, que viria a terminar meses depois.
Destacou-se, de imediato, pela forma agressiva como combatia e derrubava caças ingleses e franceses. Como tal, não é de admirar que lhe fosse concedida a Medalha Pour Le Mérite, maior condecoração militar do Império Alemão, e o posto de capitão de esquadra. Era temido, respeitado e admirado pelos inimigos pois, numa época em que os aparelhos aéreos apresentavam grandes fragilidades de construção, derrubou sozinho, num breve espaço de tempo, oitenta aviões inimigos em combates aéreos tripulando os modelos Albatros D. II e o triplano Fokker DR 1, devendo a eterna alcunha aos ingleses pelo facto de pintar de vermelho os aviões da sua esquadrilha demonstrando que não temia os ataques.
Após a primeira vitória num combate aéreo, iniciou o seu costume de guardar alguns pedaços do avião que abatera além de encomendar uma pequena taça de prata gravada com o tipo de avião abatido e a data. Vaidoso e orgulhoso dos seus feitos, Manfred von Richthofen publicou, em 1917, o livro “O piloto de combate vermelho”, que ajudou a criar o mito de um grande herói de guerra.
Na manhã de 21 abril 1918, na região de Somme, norte da França, participava num combate que envolvia mais de trinta aeronaves, quando, ao contrário do que defendia, se afastou da esquadrilha para perseguir um caça inglês e acabou sozinho em território inimigo, sob fogo duplo, vindo do ar e da terra. Na área controlada por tropas australianas, o avião de Richthofen mergulhou e pousou no chão, quase sem sofrer danos tendo sido encontrado morto dentro do cockpit.
Iniciou-se então uma polémica que ainda dura, sobre quem efetivamente abateu Richtofen mas, segundo uma reconstituição feita em 1998, a derradeira causa da morte foi uma bala vinda das trincheiras sendo o autor do tiro fatal o australiano Cedri Popkin.
Os britânicos, após confirmarem a identidade de Richthofen, efetuarem uma breve autópsia e decidiram enterrar o famoso inimigo com honras militares. Escoltado por soldados australianos e conduzido por seis capitães da RAF, foi sepultado no cemitério de Fricourt em vinte e dois de abril, dez dias antes de seu 26º aniversário. No final, a guarda de honra disparou uma salva de 21 tiros em sua homenagem.
As fotografias tiradas durante o funeral foram lançadas, pelos aviões britânicos, sobre a base aérea alemã em Cappy, com a seguinte mensagem: “Para o Corpo Aéreo Alemão: Rittmeister Manfred Freiherr von Richthofen foi morto em combate aéreo em 21 de abril de 1918. Ele foi enterrado com todas as honras militares. Assinado: British Royal Air Force.”.
Os destroços do seu avião foram levados por muitos combatentes e estão espalhados por museus e coleccionadores particulares enquanto o motor permanece no Imperial War Museum em Londres.
Sete anos mais tarde, o cadáver foi exumado, a pedido da família, e sepultado em Berlim, novamente com honras militares e grande participação popular.
Tanto Mata-Hari como o Barão Vermelho continuam a fazer parte do imaginário popular permanecendo como símbolos de uma época de segredos e de grandes conflitos que marcaram o declínio crescente da Europa.
Luísa Oliveira