Quem sou eu?
Caminho há três dias para o norte de França, onde dizem que os alemães estão a preparar um ataque direto a Paris. Fui recrutado pelo exército português contra a minha vontade mas, para ser sincero, até gosto da adrenalina da guerra. Sinto-me apenas mais um soldado, todos os meus problemas exteriores são irrelevantes, basta um milésimo de segundo e esses problemas perdem o significado. Estou num pelotão composto por dezasseis mil soldados todos iguais, todos valem o mesmo no meio desta guerra.
E assim Joaquim Leão caminha para a sua última batalha, de certa forma, ele é parecido comigo. Talvez pela sua consciência de não ser nenhum herói ou por saber que vale exatamente o mesmo que os outros. Obviamente o que Joaquim sente durante esta viagem é algo que eu não sinto. Talvez tu o consigas sentir, ou talvez eu descreva tão bem que o consigas sentir e, se não conseguires, faz como eu, finge que o sentes.
Desculpa, mãe, se estiveres a ler isto, significa que fiz o ato mais cobarde da história da humanidade mas não consigo viver comigo mesmo após o que ouvi, o que vi, o que fiz…
Desculpa pai, por te desonrar assim desta forma, mas matei um aliado. Juro que foi sem querer mas o que é certo é que o vi gritar de pânico enquanto morria lentamente.
E para ti, minha querida amada, desculpa não puder ver o nosso filho nascer, crescer, casar… mas a guerra é pior do que o diabo consegue imaginar. Nem sequer conseguimos distinguir um fiel aliado português de um alemão. Quando invadiram a nossa trincheira, havia tanto sangue, tanto pó, tanta confusão que apenas disparei. Quando me apercebi em quem tinha acertado fiquei paralisado e depois gritei de desespero, mas o meu grito foi abafado pelo som do que pareciam mil armas. Agarrei no corpo do soldado cujo nome ainda não sei, nem irei saber, e vi-o gritar de sofrimento, chorar e exclamar repetidamente “eu não quero morrer”, até que a sua voz parou de se ouvir e a sua alma foi entregue a Deus cedo demais.
Desculpem, mas não consigo viver sabendo que tirei essa oportunidade a outro homem.
Talvez Leão não seja de facto assim tão parecido comigo. O suicídio parece algo precipitado e pouco racional. Talvez o facto de ter assassinado o seu parceiro tenha sido um acontecimento tão forte que a sua consciência morreu com o parceiro e passou a reinar os sentimentos. Será que é essa a cura?
Volto a perguntar, quem sou eu?
Ass: Eu
Henrique Silva, 12ºB