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Archive for the ‘Não é estória é História’ Category

O terramoto que assolou Portugal em Novembro de 1755 pode ter sido há alguns séculos, no entanto várias expressões populares, como “cair o Carmo e a Trindade” e “rés-vés Campo de Ourique” relativas ao acontecimento em questão, permaneceram no vocabulário dos portugueses. Muitos são os que hoje ainda as usam, mas poucos são os que conhecem a sua origem.

Se dermos hoje um passeio por Lisboa, encontraremos ainda muitas igrejas, antigos conventos, porém, em 1755 Lisboa era coroada por dois grandes edifícios de cariz religioso: o Convento da Trindade e o Convento do Carmo. O primeiro pertencia a Ordem dos Trinitários (religiosos encarregues de resgatar cativos aos mouros), tinha sido construído em meados do séc. XIV, no lugar de uma antiga ermida e era o mais antigo convento de Lisboa; o segundo foi fundado pelo Santo Condestável (D. Nuno Álvares Pereira) no final do séc. XIV em cumprimento de um voto, e entregue à Ordem do Carmo (fundada em finais do séc. XI na antiga cidade de Porfíria, hoje em Israel) da qual o próprio Condestável passou a fazer parte.

Convento do Carmo: antes (reconstituição) e depois do terramoto

Quando o sismo, com epicentro ao largo do sul de Portugal, atingiu a cidade de Lisboa, a 1 de Novembro de 1755,  logo pela manhã, os dois conventos, que, tal como muitos outros templos estavam cheios de fiéis que assistiam à missa do Dia de Finados, caíram; tal como caíram centenas de outros edifícios: igrejas, palácios, nomeadamente o próprio palácio real, o Paço da Ribeira (a família real teve sorte, estava no palácio de Belém), mudando assim para sempre a imagem de Lisboa. Deste acontecimento deriva a expressão “cair o Carmo e a Trindade”, que é utilizada para referir um acontecimento com  carga negativa ou algo que se pensa ter grandes proporções.

gravura de Georg Hartwig, 1887

Já a segunda expressão“rés-vés Campo de Ourique”é utilizada quando surge a necessidade de expressar alguma proximidade, por exemplo “a água chegou rés-vés a Campo de Ourique”, que foi o que de facto aconteceu na manhã do primeiro de Novembro de 1755, quando a onda gigantesca (tsunami) que sucedeu ao terramoto galgou terra e atingiu um dos pontos mais altos da cidade, precisamente Campo de Ourique.

Hoje, o que resta do Convento da Trindade faz parte de uma cervejaria e de edifícios contíguos. O Convento do Carmo, por seu turno, é mais conhecido devido ao seu estado de ruína  que mantém desde esse fatídico dia (albergando o museu de arqueológico do Carmo e parte do quartel da GNR). Quanto à chegada da água a Campo de Ourique apenas se pode especular, visto que a única fonte física será uma linha marcada no Convento de Santa Engrácia, vestígio da altura que a água atingiu durante o maremoto.

Luís Fernandes, 12ºD

imagens daqui, daqui e daqui

Veja também:

  • uma reconstituição de Lisboa antes do terramoto aqui e aqui
  • um documentário sobre o terramoto de 1755 aqui

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Stª Engrácia, mártir do séc. IV

O facto de ser o primeiro edifício em estilo barroco a ser construído em Portugal e certamente o último, dá à igreja de Santa Engrácia (actualmente Panteão Nacional) um certo protagonismo, ou não fosse a sua construção uma obra com mais de 350 anos.

A  igreja foi iniciada no ano de 1568, no local de um antigo templo de meados do séc. XII, por ordem de D. Maria de Portugal, filha de D. Manuel I, para receber o relicário de Santa Engrácia, tendo sido apenas concluída quatrocentos anos mais tarde, já no nos anos 60 do séc. XX, por ordem de Salazar, não já como igreja, mas como Panteão Nacional, onde repousam as figuras notáveis da História de Portugal, como Almeida Garrett, Guerra Junqueiro, Sidónio Pais, Humberto Delgado  e Amália Rodrigues.

Stª Engrácia, reconstrução (anos 60)

A expressão “como as obras de Santa Engrácia”, comum na língua corrente, é utilizada para referir-se a algo que não chegará a acontecer, ou que demorará muito a acontecer.

A história da atribulada construção do edifício está ligada uma estoria popular. Esta conta que a construção da igreja teria sido amaldiçoada como consequência de um amor impossível. Violante, filha de um importante fidalgo, ter-se-ia perdido de amores por um cristão-novo, Simão Pires Solis. O pai da jovem, que não via com bons olhos o amor dos dois apaixonados, conseguiu encerrar a filha no convento de Santa Clara que se situava ao lado da igreja de Santa Engrácia, ainda em construção. Simão Solis não negou o seu amor por Violante e continuou a cavalgar todas as noites até ao convento para se encontrar com a sua amada. Certo dia, propôs a Violante que fugissem edeu-lhe uma noite para se decidir, pois no dia seguinte viria buscá-la. Por coincidência, nessa noite, foi roubado o relicário  de Santa Engrácia, tão cara à infanta D. Maria. No dia seguinte, Simão Solis foi preso e acusado de ser o autor do roubo mesmo depois de se considerar inocente, não podendo revelar a razão pela qual rondava a igreja todas as noites,  pois comprometeria a sua amada.

Devido a tal facto e agravado pela sua ascendência judaica, Simão Solis foi condenado à morte na fogueira. Diz-se que no momento da execuação terá lançado uma maldição enquanto as labaredas envolviam o seu corpo: “É tão certo morrer inocente como as obras nunca mais acabarem!”.

Stª Engrácia (Panteão Nacional) hoje

Ainda, segundo a lenda, anos mais tarde, a noviça Violante terá sido chamada à presença de um moribundo quando este estava às portas da morte, pois queria confessar-lhe que tinha sido ele o ladrão do relicário de Santa Engrácia. Conhecedor da relação secreta de Simão Pires e Violante, tinha incriminado o jovem rapaz, que por ali era visto quase todas as noites, e queria agora pedir perdão à mulher que perdera o seu amor da maneira mais cruel e injusta que alguém poderia perder – mas o perdão foi aceite.

De facto, existem nos registos da paróquia referências ao “Desacato de Santa Engrácia”, ocorridos na noite de 15 de Janeiro de 1630, data em que um tal  Simão Pires Solis teria sido condenado a morte.

Se a estoria é total ou parcialmente verdade, não sabemos, mas isso também pouco interessa… a verdade é que, entre incêndios, terramotos e escassez de meios, a igreja de  Santa Engrácia acabou por  só ser concluida mais de 3 séculos depois, cumprindo assim, conforme “reza a história”, a profecia  do injustiçado Simão Solis, que acabou por providenciar à língua portuguesa uma expressão muito conveniente.

Luís Fernandes, 12º D

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Outro Luís junta-se com este post ao número crescente de bibliogueiros. Desta feita para assinar uma rúbrica sobre  História, onde se propõe identificar e contextualizar a origem de alguns ditos  que  as estórias da História foram deixando na nossa língua.

Bem-vindo, Luís!

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Em 1807 Junot invade Portugal a mando de Napoleão. Tem ordem de apoderar-se do país e cumprir o ultimato feito ao que mais tarde viria a ser D. João VI . As forças francesas entram pela Beira mas quando chegam a Lisboa já a corte se encontra embarcada a caminho do Brasil. Assim, Junot limitou-se, impotente, a ver os navios da corte portuguesa a sair da barra do Tejo rumo ao outro lado do Atlântico.

Para quem não sabia, foi nesse dia que nasceu a célebre expressão “ficar a ver navios”, que significa perder algo, perder alguém, que foi o que aconteceu ao marechal francês, cujo objectivo era aprisionar a família real, tal como acontecera em Espanha. Junot instala então em Lisboa o seu quartel-general e exige à população abastada lisboeta cama, roupa lavada e comida, frequenta o teatro S. Carlos e exibe-se em traje de gala. As festas são uma constante durante os seis meses que permanece em Lisboa. Assim, Junot vive “à grande e à francesa”: este coloquialismo define um estilo de vida luxuoso, o estilo de vida que, ao fim e ao cabo, o general levou em Lisboa

Durante este período de ocupação francesa, a guerrilha foi de facto bastante activa. As populações rurais, em especial as do norte do país, esperavam os invasores nos desfiladeiros e abatiam-nos um a um, de maneira dissimulada, escondidos por entre a vegetação; eram incentivados, por mais bizarro que pareça, pelo Clero em especial, pois no seio da igreja pregava-se o amor ao próximo e a morte aos “jacobinos”.

Para pôr fim a estes movimentos de revolta, os oficiais franceses iniciam um processo de repressão. Destes oficiais destacou-se um: o general Loison. Loison tinha perdido o braço esquerdo durante uma caçada, foi por isso apelidado de “o maneta”. Por onde passava ordenava a chacina e o saque sem perdão. Era por isso o mais temido de todos os generais franceses. Deste célebre general francês nasceu a expressão portuguesa “ir para o maneta”, sinónimo de morrer, desaparecer, sofrer.

Depois  das batalhas da Roliça e do Vimeiro, Junot é forçado pelas forças inglesas a deixar Portugal, levando consigo todo o saque que consegue carregar. Entra no navio sem qualquer ostentação, escoltado por ingleses, vaiado pelo povo, numa “despedida à francesa” – mais uma expressão que ficou da permanência francesa em Portugal. Uma “despedida à francesa” passa a significar o abandono de uma ocasião social sem saudar o anfitrião. E, na verdade,  Junot saiu de Portugal e nem se despediu do povo português. Os coloquialismos deixados pelas incursões francesas em solo português são muitos mas nem todos tão funestos.

Em 1809 e 1810 Junot volta ainda a Portugal num papel secundário, sob comando de Soult e Massena, em investidas com pouco sucesso. Depois de 1810 nenhum francês ousaria entrar em Portugal, no entanto outro problema estava pela frente, e este iria ser bem mais difícil: os ingleses…

Luís Fernandes, 12º D

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