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Posts Tagged ‘Joseph Beuys’

Na primavera passada o MoMa, o mais importante museu de arte contemporânea do mundo, em Nova Iorque, levou a efeito uma retrospectiva da obra da artista sérvia Marina Abramović, que há 40 anos trocou a austera e conservadora Belgrado socialista que a viu nascer (o pai era um general do regime do marechal Tito), pela glamorosa, hip e consumista Nova Iorque, onde se tornou a mais famosa artista de performance, um género artístico polémico, em virtude da fluidez de fronteiras com os espectáculos tipo Houdini, ou com a própria auto-flagelação. Na verdade, nas quatro décadas que leva a sua carreira, Marina Abramović participou nas mais respeitadas exposições internacionais, como a Documenta de Kassel ou a Biennal di Venezia, onde fez de tudo, em tempo real e ao vivo, desde espetar facas entre os dedos da mão, a desenhar a fogo uma estrela de cinco pontas (um dos símbolos do comunismo) na barriga, a dançar até cair em colapso, entre tantas outras performances, nas quais a sua própria existência terá estado em risco, nalgumas delas devido à requisitada interacção do público.

A experiência física limite parece ser o passaporte para uma experiência espiritual, partilhada com a audiência. Em vez das tradicionais formas de expressão artística plásticas, é o corpo que se torna objecto e veículo de comunicação. Sendo o expoente deste género artístico, não foi, contudo, a sua fundadora. A sua origem remonta ao dadaísmo, e a outro movimento artístico “anti-arte”, Fluxus, um movimento internacional, de matriz europeia, criado nos anos 60 (do qual, por curiosidade, a viúva de John Lenon, Yoko Ono, fazia parte), e que teve como figura mais carismática Joseph Beuys, autor da célebre performance How to explain art to a dead hare (como explicar a arte a uma lebre morta), durante a qual o artista, com o rosto coberto de mel e ouro, carregava ao colo uma lebre morta com quem dialogava – “porque as lebres percebem melhor que os homens”.

As décadas de sessenta e setenta do século passado assistiram à irrupção de movimentos de contestação, mais ou menos aparatosos, e tendencialmente radicais da juventude (contra o capitalismo, contra a guerra, contra a supremacia masculina, entre outros) e à emergência de uma contracultura. Foi o fim da promissora e gloriosa era do pós-guerra e o início da recessão, com o consequente abrandamento do mercado da arte. Esta contracultura foi plural e também pós-moderna, no sentido em que rejeitava a corrente moderna, representada na arte pela corrente modernista, de Picasso a Pollock. Assistiu-se então a uma inflexão na expressão artística, que optou por outros formatos que não os tradicionais, como a pintura, ou “arte de parede”. Muitas destas correntes socorreram-se das então novas tecnologias de comunicação, como o vídeo e os novos equipamentos de som e luz. Relativamente à obra de arte, o ênfase deixa de estar no produto final e passa a estar no próprio processo da sua produção; a presença física do produtor/artista enquanto parte do work in process, tornou-se inevitável. Surgem, entre muitos outros, os hapennings e as performances, e ramificações, como a Body Art. Trata-se, genericamente, de actuações ao vivo, podendo incluir as variáveis que o artista entender, como escultura, dança, audiovisual, luzes ou lasers, e nas quais, a categoria tempo se sobrepõe à categoria imagem. Pretendendo ser sobretudo uma experiência memorável, podem tanto entreter e divertir, como chocar e horrorizar, emocionar ou simplesmente entediar. Não são comercializáveis, no entanto o artista pode cobrar ingressos ou direitos de autor pelo seu registo.

 Em The artist is Present, assim se chamou a referida retrospectiva no MoMa, a artista esteve literalmente presente no museu durante todo o horário de abertura ao público ao longo de quase 3 meses, onde se sentava numa cadeira, deixando outra em frente livre para o público, que nela se poderia sentar, o tempo que quisesse, sendo o contacto visual o único consentido. Foram mais de 700 horas, sentada em silêncio, perante o público. Vários foram os que repetiram a visita à performance, e vários os que com ela se comoveram às lágrimas. Simultaneamente decorriam, noutras salas do museu, réplicas de anteriores trabalhos de Abramović, entre eles o polémico Imponderabilia, inicialmente apresentado em 1977, no qual o público era obrigado a entrar num espaço em que o acesso era um homem e uma mulher nus, frente a frente.

Será isto arte? Haverá quem se questione. A resposta é, sem dúvida, afirmativa. Depois dos ready made de Marcel Duchamp, o acto criativo passou a ser o objecto, ou a actividade, que queiramos designar como arte, para além das suas mais convencionais expressões, a pintura e a escultura, e muito para além de considerações de gosto.

Cristina Teixeira

imagens daqui, daqui, daqui e daqui

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