Desenhador compulsivo e com uma capacidade de criação notável, apresenta uma vasta obra que vai da arquitetura ao mobiliário, à pintura, à escrita, até ao planeamento de cidades, Charles-Édouard Jeanneret, (1887-1965) mais conhecido por “Le Corbusier“, “parecia querer redesenhar o mundo”.
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No ano em que se assinala o cinquentenário da morte deste arquiteto suíço, que se naturalizou francês, importa lembrar o trabalho que desenvolveu na área da arquitetura, num tempo em que a vida moderna obrigava a uma mudança de comportamentos e de necessidades das pessoas, muitas delas, vindas do campo para as cidades, para trabalhar em fábricas.
A resposta a este problema passou por um estudo sobre os comportamentos destas pessoas que chegavam, bem como estudos de ergonomia e de proporções com base nas medidas do corpo humano para aplicação nos espaços e equipamento, e o resultado encontra-se descrito no seu livro “O Modulor”. Desta forma, as habitações coletivas que vai desenhar, apresentam normas padronizadas de modo a abrigar um maior numero de pessoas no menor espaço possível, sem descuidar, no entanto, a higiene, a salubridade, a funcionalidade e o conforto.
A Unidade de Habitação de Marselha (1947-1952) foi um exemplo de habitação social para alojar 1800 pessoas, em áreas mínimas habitáveis. O edifício de 23 andares dispõe de um restaurante, lojas e, na cobertura, um infantário, um ginásio e uma piscina.
É nesta lógica que o arquiteto se refere às casas como “máquinas de habitar” embora os novos tempos, e com eles a civilização maquinista que o Futurismo defendeu e que tanto impressionaram Le Corbusier, contribuíssem para que tudo fosse visto como uma máquina. O escritor Paul Valéry referiu-se aos livros como sendo “máquinas de ler”, “um quadro é uma máquina para nos comover” disse o pintor Ozenfant, “a ideia é a máquina de fazer arte” concluiu Marcel Duchamp, entre tantas outras definições.
Fazendo igualmente a apologia de novos materiais e da cidade nova, e com um espírito prático sem sentimentalismos fantasiosos, vai debruçar-se sobre um trabalho do qual o rigor e a clareza formal serão a sua marca.
A encomenda de uma construção de habitações para operários e respetivas famílias, de um industrial francês, resultou num conjunto de casas despojadas de decoração, com telhados planos e compridas janelas. Corbusier parece ter comentado, com orgulho, a ausência de pormenores e de referências rurais. Porém, a reação dos habitantes não correspondeu ao que foi idealizado e após muitas horas de trabalho, fechados em fábricas, o que os operários pretendiam era tudo menos permanecerem em espaços cúbicos fechados, longe das suas antigas casas e, principalmente, do seu bocado de terra. Descontentes, e com o passar do tempo, iniciam alterações ao projeto do grande arquiteto: inclinam os telhados, de planos passam a inclinados, as janelas passam a ter persianas e intervêm também no exterior, num pequeno espaço ajardinado, em frente da casa, decorando-o com gnomos e fontes, diferenciando-se as casas de acordo com os gostos de quem a habita.
Em 1926 escreve “Os Cinco Pontos da Nova Arquitetura” onde defende plantas de andar totalmente livres, de acordo com o sistema estrutural que desenvolveu “Dom-ino”, em 1914, onde reduz a expressão arquitetónica ao mínimo, partindo de um esqueleto em betão armado fabricado com elementos padrão combináveis entre si, o que permite uma grande diversidade no agrupamento das casas.
Os outros pontos da Nova Arquitetura eram a utilização de tetos planos com terraços e jardins na cobertura; a construção apoiada em finos pilares, elevando-a do solo e conferindo-lhe elegância e, ainda, com a vantagem de evitar a humidade no edifício e de aproveitar esse espaço para estacionamento; fachadas com composição livre e janelas rasgadas em longos retângulos horizontais.
Estes princípios foram aplicados na construção da Unidade de Habitação de Marselha bem como em várias mansões entre as quais a da família Savoye. Diferente do que era convencional até então, a casa Savoye, situada em França, emerge austera, numa clareira rodeada por um denso arvoredo, impondo a brancura da sua volumetria retangular.
“A porta da frente, feita de aço, abre-se para um átrio tão limpo, claro e despojado como uma sala de operações. No chão há mosaicos, no teto lâmpadas nuas e no meio do átrio uma bacia que convida os convidados a lavarem-se das impurezas do mundo exterior.”
A casa apresentava poucas peças de decoração, no entanto, o trabalho manual das paredes, feito por artesãos, com uma argamassa importada da Suíça, e por isso muito dispendiosa, assemelhava-se a delicadas rendas, proporcionando um sentimento artístico a quem as contemplava.
O mobiliário era muito reduzido e nem quando a proprietária, a senhora Savoye, manifestou vontade de ter um cadeirão e dois sofás na sala Le Corbusier cedeu, antes, reagiu com alguma mágoa, afirmando que “a vida doméstica está hoje a ser paralisada pela ideia deplorável de que temos de ter mobília (…) Essa ideia deve ser extirpada e substituída pela de equipamento”.
O telhado plano que insistiu em construir, apesar da pouca vontade do proprietário, o senhor Savoye, apresentou infiltrações a ponto do filho do casal contrair uma infeção respiratória e, depois, uma pneumonia, e quando, numa carta, a senhora Savoye se queixa da água que entra em casa, quando chove, e que a parede da garagem fica completamente ensopada, Le Corbusier promete resolver o problema rapidamente, não sem antes informar que o design do telhado plano tinha sido elogiado pelos críticos de arquitetura de todo o mundo.
“Após inúmeras exigências da minha parte, concordou finalmente que esta casa que construiu em 1929 é inabitável” refere a senhora Savoye, em 1937. “Está em causa a sua responsabilidade e não tenho de ser eu a pagar a conta. Espero sinceramente não ter de recorrer aos tribunais” prossegue a queixosa.
De facto, não houve queixa em tribunal porque a segunda guerra mundial obrigou a família a ausentar-se do país, terminando assim a resolução do problema.
Outro projeto interessante mas que não passou do papel, foi a ideia de urbanismo de uma cidade radiosa “ville radieuse” em que o arquiteto delineou cidades revelando preocupação e cuidado quanto à diferenciação das zonas de trabalho das de lazer e de residência, e distingue três tipologias de edifício: arranha-céus, prédios de seis andares e imóveis-villa rodeados de jardins e terrenos arborizados.
Apesar do projeto nunca ter sido concretizado, contribuiu para influenciar a arquitetura e o planeamento urbano do séc. XX em obras como o projeto da cidade de Chandigarh, na Índia ou o projeto de Lúcio Costa e Niemeyer para a cidade de Brasilia, entre outras.
A igreja de Notre-Dame-du-Haut, em Romchamp, França, uma das últimas obras, assinala uma viragem no percurso do arquiteto. O jogo escultórico de volumes, pontuado por pequenas aberturas, quebra, de alguma maneira, o racionalismo das formas que sempre defendeu e é exemplo da sua capacidade de se renovar e inventar.
O arquiteto que cedo viajou pela Itália, Grécia e Turquia e contactou com a arquitetura clássica, é a partir do mar que se impressiona com a Acrópole de Atenas. O contraste entre o mar azul e as ruínas do templo pareceram-lhe o lugar mais perfeito ao cimo da terra e é nesse mar mediterrâneo que, muitos anos mais tarde, numa manhã de agosto de 1965, mergulha para não mais voltar. Afogamento? Suicídio? Quem sabe da natureza das linhas que nesse dia lhe desenharam o pensamento?
Ana Guerreiro
Bibliografia
- “Cadernos de História da Arte”, Ana Lídia Pinto, Fernanda Meireles, Manuela Cambotas
- “A Arquitetura da Felicidade”, Alain de Botton
Imagens
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