Quando se comemora 40 anos do fim do regime repressivo do Estado Novo, justifica-se uma referência especial à curta-metragem portuguesa A Caça Revoluções, da realizadora Margarida Rêgo, coproduzida pelo Royal College of Art, que foi selecionada para integrar a Quinzena dos Realizadores de 15 a 25 de maio, em Cannes, paralelamente ao Festival de Cinema. Esta primeira obra da realizadora é uma animação experimental a partir de uma fotografia tirada durante a revolução de Abril 1974, transmitindo os sons das manifestações, comícios, canções e poemas desse momento revolucionário. O filme é dedicado a “todas as pessoas que acreditam na possibilidade de um país diferente” e antes de ser exibido na prestigiada Quinzena de Realizadores integrará a competição do festival IndieLisboa.
É igualmente de assinalar a 8ª edição do PANORAMA, que decorrerá entre 9 e 15 de maio, com um vasto e interessante reportório dirigido a todos os que se interessam pelo cinema documental português. O trabalho da realizadora Catarina Alves Costa estará em destaque, com a apresentação, na sessão de abertura, do documentário que realizou há 20 anos, Senhora Aparecida. A realizadora irá ainda orientar um workshop para alunos sobre a relação do documentário cinematográfico com a antropologia. A parceria com o Goethe-Institut Portugal e a Fundação Alfred Gerhard leva à apresentação de obras dos cineastas alemães, Alfred Ehrhardt e Hubert Fichte, que filmaram no nosso país na década de 50 e 60 do século XX, assim como a apresentação da coleção de Filmes do Göttingen Institut, realizados na década de 70, cedidos pelo Museu de Etnologia.
No que respeita a estreias, uma menção especial para o polémico Noé de Darren Aronofsky com uma visão peculiar da épica história da personagem bíblica que, neste filme é encarnada de forma intensa por Russel Crowe, como um indivíduo com uma fé inabalável no Criador que se afasta da sociedade decadente em que vivem os descendentes de Caim e os nómadas descendentes de Seth. É uma obra de ação com incríveis efeitos especiais, filmada na Islândia, a não perder não só pelo polémico argumento, dominado pela eterna luta entre o bem e o mal, como pela interpretação do elenco de luxo em que também se destacam Anthony Hopkins, Emma Watson e Jennifer Connelly.
Também com um excelente elenco, merece menção a comédia de suspense Grand Budapest Hotel de Wes Anderson, em que sobressai Ralph Fiennes no papel de um mordomo libertino de um grandioso hotel na década de 30, época de instabilidade política, social e económica que adivinhava o terror que o mundo iria viver passado pouco tempo. Inspirado na obra de Stefan Zweig, escritor austríaco de origem judaica, descreve uma realidade idílica, imaginária no tempo.
São igualmente interessantes as adaptações de grandes obras literárias Em segredo de Charlie Stratton, a partir do romancede Émile Zola, Thérèse Raquin, sobre desencontros e paixões e O que a Maisie sabe de Alex Van Warmerdam, baseado na obra homónima de Henry James, em que Onata Aprile transmite a angústia dos filhos que são apanhados na teia das separações conjugais.
Para toda a família, recomenda-se a animação de Rio 2 de Carlos Saldanha e a comédia de enganos Marretas procuram-se de James Bobin, sequela de entretenimento com agradáveis momentos cómicos graças às interpretações de Tina Fey, Ricky Gervais e Ty Burrell, e às músicas de Céline Dion, Lady Gaga e Usher.
Salientam-se ainda três documentários imperdíveis: A imagem que falta de Rithy Panh ,O Acto de matar de Joshua Oppenheimer e A dois passos do estrelato de Morgan Neville.
O primeiro, ao apresentar figuras de plasticina na busca de uma fotografia que retrate os anos de terror em que o Camboja foi governado pelo regime do Khmer Vermelho, responsável por um terrível genocídio que vitimou cerca de dois milhões de pessoas entre 1975 e 1979, serve para relembrar esse período terrível. Recebeu o prémio Un certain regard do festival de Cannes e foi nomeado para os Óscares e prémios europeus de cinema.
O segundo, que ganhou um BAFTA e o prémio do público no festival de Berlim, revisita os massacres do golpe militar na Indonésia em 1965 com a participação voluntária dos torturadores que pertenciam aos esquadrões da morte responsáveis pela morte de 500 mil pessoas. Nesta obra perturbante estes indivíduos encenam os crimes pelos quais não foram julgados pois, além de continuarem ligados ao poder, são considerados heróis nacionais. Os dois documentários referidos revestem-se, como tal, de grande importância pois preservem a memória de períodos e locais em que os direitos humanos não eram respeitados.
Com temática diferente das obras anteriores, o terceiro documentário, que ganhou um Óscar em 2013, coloca lendas musicais e outras personalidades do mundo do espetáculo a falarem sobre a forma como os elementos dos coros que acompanham os artistas não são devidamente valorizados, nem reconhecido o seu contributo para o sucesso de muitas obras musicais.
Luísa Oliveira
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